Por Sérgio Rebêlo
Resumo Executivo
Em meio a uma escalada protecionista global, o Mecanismo de Ajuste de Carbono na Fronteira (CBAM) da União Europeia surge como mais um importante desafio para a indústria de base brasileira. Previsto para entrar em seu regime definitivo em 1º de janeiro de 2026, o CBAM impõe uma taxa sobre as emissões de carbono embutidas em produtos importados, como aço, ferro, alumínio, cimento e hidrogênio, com o objetivo de equalizar o “preço” do carbono entre a produção europeia e a estrangeira. Embora a análise inicial aponte para um impacto macroeconômico direto limitado para o Brasil no curto prazo, a medida acende um alerta estratégico, especialmente considerando a possibilidade de difusão de mecanismos similares para outros parceiros comerciais importantes, como Estados Unidos e Japão.
Este artigo avalia o impacto dessas medidas para o Brasil, identificando os volumes de exportação e as principais empresas afetadas. Mais importante, identifica uma oportunidade estratégica significativa para aquelas empresas fornecedoras de lubrificantes e graxas, que, ao adotar uma abordagem consultiva e um portfólio de soluções sustentáveis, podem transcender seu papel de mero fornecedor para se tornar um parceiro estratégico na jornada de descarbonização de seus clientes, transformando o desafio regulatório do CBAM em uma poderosa vantagem competitiva e econômica. Analisamos onde ocorrem os maiores consumos de lubrificantes, as oportunidades para produtos que reduzem a pegada de carbono (como sintéticos e rerrefinados) e delineamos estratégias concretas para que a indústria de lubrificantes possa, efetivamente, “fazer do limão uma limonada”.
- O Mecanismo de Ajuste de Carbono na Fronteira (CBAM)
O CBAM é uma ferramenta de política ambiental da União Europeia desenhada para combater a “fuga de carbono” – a realocação de indústrias de alto consumo energético para países com políticas climáticas menos rigorosas. O mecanismo funcionará de forma plena a partir de 2026, após um período de transição iniciado em outubro de 2023.
O CBAM garantirá que o preço do carbono das importações seja equivalente ao preço do carbono da produção doméstica, e que os objetivos climáticos da UE não sejam minados. O CBAM foi projetado para ser compatível com as regras da OMC.
Os importadores europeus de produtos cobertos pelo mecanismo deverão declarar as emissões embutidas em seus produtos e adquirir “certificados CBAM” correspondentes. O preço desses certificados será atrelado à média semanal dos leilões do Sistema de Comércio de Emissões da UE (EU ETS). Um ponto crucial é que, se um preço de carbono já tiver sido pago no país de origem, esse valor poderá ser deduzido.
- Impacto do CBAM sobre as Exportações Brasileiras
A análise do impacto sobre o Brasil revela um cenário de duas velocidades: um impacto direto e imediato relativamente baixo, mas um risco futuro considerável.
2.1. Análise de Volumes e Valores
Dados compilados pelo International Institute for Sustainable Development (IISD), com base em estatísticas oficiais do governo brasileiro, indicam que, na média de 2020-2022, os produtos cobertos pelo CBAM exportados para a União Europeia representaram 0,6% do total das exportações brasileiras, com um impacto estimado no PIB de 0,15%.
A maior parte desse valor está concentrada no setor de ferro e aço, como detalhado na tabela abaixo.
| Setor (Capítulo HS) | Descrição | Participação da UE no Total Exportado pelo Brasil | Relevância para o CBAM |
| 72 | Ferro fundido, ferro e aço | 10,7% | Muito Alta (92% do valor dos produtos afetados) |
| 76 | Alumínio e suas obras | 5,2% | Média (3% do valor dos produtos afetados) |
| 26 | Minérios, escórias e cinzas | 10,3% | Média (Brasil é o 2º maior exportador global) |
| 73 | Obras de ferro fundido, ferro ou aço | 6,3% | Baixa |
| 25 | Cimento, cal, etc. | 42,9% | Negligível (Volume de exportação para UE é irrisório) |
| 28 | Hidrogênio | N/A | Incipiente (Investimentos em curso) |
Tabela 1: Análise das exportações brasileiras de produtos cobertos pelo CBAM para a União Europeia (Média 2020-2022). Fonte: Adaptado de IISD 2.
O verdadeiro risco, apontado pelo relatório do IISD, reside na potencial difusão de mecanismos similares para outros mercados. Os Estados Unidos, por exemplo, absorvem quase 50% das exportações brasileiras de ferro e aço (Capítulo 72), enquanto o Japão é o destino de 30% das exportações de alumínio 2. Uma eventual adoção de barreiras de carbono por esses países teria um impacto significativamente maior sobre a indústria nacional.
2.2. Principais Empresas Exportadoras Afetadas
A análise de mercado identifica um grupo seleto de empresas que estão na linha de frente do impacto do CBAM, seja por suas exportações atuais ou por estratégias recentes de mercado.
Alto Impacto (Exportadores Ativos para Europa):
- CBA (Companhia Brasileira de Alumínio): Após a imposição de tarifas pelos EUA, a empresa redirecionou ativamente suas exportações para a Europa e América Latina, tornando-se um caso de alta exposição ao CBAM.
- ArcelorMittal Brasil: Recentemente, realocou exportações de placas de aço para suas operações na Europa, aumentando sua exposição direta ao mecanismo.
Médio Impacto:
- Hydro Brasil e Alcoa Brasil: Como grandes players na produção de alumínio, possuem exposição relevante ao mercado europeu.
- Baixo Impacto (Foco no Mercado Interno ou Outros Mercados):
- Gerdau, CSN e Usiminas: Embora gigantes do setor siderúrgico, possuem menor exposição direta ao mercado europeu, com foco maior no mercado interno ou nas Américas.
- A Oportunidade Oculta: Lubrificação como Vetor de Descarbonização
Embora a discussão sobre descarbonização nos setores afetados se concentre em grandes mudanças de processo e matriz energética, a lubrificação industrial emerge como uma área de alto impacto, porém frequentemente subestimada, para a redução da pegada de carbono. A escolha correta de lubrificantes e graxas pode gerar ganhos significativos de eficiência energética, que se traduzem diretamente em menores emissões de CO₂ (Scope 2) e, consequentemente, menor custo com o CBAM.
3.1. Mapeamento de Uso de Lubrificantes nos Setores Críticos
O consumo de lubrificantes é mais intenso e crítico exatamente nos processos que mais consomem energia e geram emissões. As condições operacionais são extremas: altas temperaturas, cargas de impacto, contaminação por água e partículas abrasivas.
| Ranking | Processo | Setor | Condições Operacionais | Potencial de Redução de Carbono |
| 1 | Laminação a Quente | Siderurgia | Temp. extremas (>1200°C), altas cargas, água | Muito Alto (Redução de atrito e consumo) |
| 2 | Moinhos (Bolas/Vertical) | Cimento | Cargas pesadas, pó abrasivo, operação 24/7 | Muito Alto (Alto consumo de energia) |
| 3 | Extrusão | Alumínio | Alta pressão, temp. elevadas (500°C) | Muito Alto (Eficiência de sistemas hidráulicos) |
| 4 | Fornos Rotativos | Cimento | Temp. extremas (>1450°C), operação 24/7 | Alto (Confiabilidade e eficiência) |
| 5 | Salas de Fornos (Redução) | Alumínio | Temp. extremas, processo mais intensivo em energia | Alto (Eficiência e confiabilidade) |
Tabela 2: Ranking dos processos com maior consumo de lubrificantes e maior potencial de impacto na redução da pegada de carbono.
3.2. Soluções de Lubrificação para Redução da Pegada de Carbono
A indústria de lubrificantes dispõe de tecnologias maduras capazes de endereçar diretamente o desafio da descarbonização.
- Óleos Básicos Rerrefinados: A tecnologia de rerrefino produz óleos básicos de alta qualidade, indistinguíveis de óleos virgens, mas com uma pegada de carbono 20% a 40% menor em sua produção. A viabilização da adoção de óleos básicos rerrefinados em fluidos hidráulicos e óleos de processo representa uma redução direta e quantificável nas emissões (Scope 3) do cliente.
- Lubrificantes Sintéticos de Alta Performance: Produtos sintéticos podem reduzir o consumo de energia em 3% a 5% ao diminuir o atrito em sistemas de alta carga, como moinhos de cimento e laminadores. Além disso, sua vida útil estendida diminui a frequência de trocas, reduzindo o consumo e o descarte.
- Graxas de Longa Duração: Em aplicações críticas como fornos de cimento e lingotamento contínuo, graxas de alta estabilidade reduzem paradas não programadas e o consumo total de lubrificante, impactando positivamente a eficiência operacional e a pegada de carbono associada à logística e ao descarte.
- Estratégia de Parceria: Como Fazer do Limão uma Limonada
Para capitalizar esta oportunidade, as empresas de lubrificantes devem evoluir de um modelo de venda de produtos para um modelo de parceria estratégica em descarbonização. A abordagem deve ser consultiva, focada em entregar e quantificar resultados.
4.1. Pilares da Parceria Estratégica
1.Diagnóstico Consultivo e Mapeamento de Carbono: Oferecer uma “Auditoria de Lubrificação e Pegada de Carbono” para mapear processos, calcular a linha de base de emissões e identificar oportunidades, utilizando uma “Calculadora de Impacto CBAM” para projetar a economia em tarifas.
2.Portfólio de Soluções “CBAM-Ready”: Desenvolver e promover uma linha de produtos sustentáveis (rerrefinados, sintéticos) com documentação clara de sua contribuição para a redução da pegada de carbono (ex: Análise de Ciclo de Vida).
3.Serviços de Valor Agregado e Gestão de Performance: Implementar contratos baseados em Custo Total de Operação (TCO) com metas de sustentabilidade, incluindo monitoramento de performance e gestão da logística reversa do óleo usado.
4.Educação e Capacitação: Posicionar-se como uma autoridade no tema, realizando workshops e webinars para educar os clientes sobre o CBAM e o papel da lubrificação como ferramenta de compliance e competitividade.
- Conclusão
O Mecanismo de Ajuste de Carbono na Fronteira da União Europeia, embora represente um desafio para a indústria exportadora brasileira, cria uma oportunidade para o setor de lubrificantes. Ao focar nos processos de maior consumo energético e de lubrificantes – como laminação a quente, moagem de cimento e extrusão de alumínio – e ao oferecer um portfólio de soluções sustentáveis (rerrefinados e sintéticos), as empresas de lubrificantes podem gerar um valor imenso para seus clientes.
A transformação de um fornecedor de commodity em um parceiro estratégico de descarbonização não apenas fortalece a relação com o cliente, mas também cria um modelo de negócio mais resiliente e alinhado às demandas de uma economia global de baixo carbono. A chave para o sucesso reside em uma abordagem consultiva, na quantificação rigorosa dos benefícios e na formalização de parcerias que alinhem os interesses de ambas as partes em torno de um objetivo comum: transformar o desafio regulatório em uma duradoura vantagem competitiva e econômica
Sérgio Rebêlo é Sócio-Diretor da FactorK, consultoria estratégica, com ênfase em estratégia, programas de internacionalização e fusões e aquisições. Administrator de Empresas pela EAESP-FGV, com MBA pela EAESP/FGV Brasil e OneMba -Kenan-Flagler Business School (Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill); EGADE (Tecnologico de Monterey/ Graduate School of Business Administration); Erasmus School of Business/ Rotterdam School of Management and The Chinese University of Hong Kong. Membro do Beta Gamma Sigma Society. • Palestrante em eventos nas áreas de óleos básicos e lubrificantes: ICIS PanAmerican; ICIS London; Lubgrax; AEA; Encontro com o Mercado – Lubes em Foco.Diretor Financeiro (Probono) do Museu de Arte Moderna de São Paulo entre 2019 e 2022.