Importações de diesel dos EUA superam as da Rússia e ampliam riscos geopolíticos para o Brasil, aponta especialista

A recente inversão no ranking de fornecedores de diesel para o Brasil, com os Estados Unidos ultrapassando a Rússia, pegou o mercado de surpresa pela velocidade com que aconteceu. Segundo o especialista em combustíveis do Gasola, Vitor Sabag, a mudança não foi totalmente inesperada, mas o ritmo da virada entre junho e julho chamou atenção. “Essa virada tem forte relação com o cenário geopolítico global, mas também foi impulsionada por fatores comerciais e logísticos”, explica. Ele aponta que a retomada da produção em refinarias norte-americanas reduziu os preços e tornou o diesel dos EUA mais competitivo. “Quando essa diferença de preço em relação ao diesel russo diminui, o fator logístico passa a pesar mais: a maior proximidade dos Estados Unidos com o Brasil facilita o transporte e reduz o tempo de entrega, o que acaba favorecendo os americanos nas decisões de importação”, completa.

Sabag observa ainda que há uma crescente preocupação entre empresas importadoras com riscos legais e reputacionais ligados ao comércio com a Rússia, o que tem estimulado a busca por alternativas consideradas mais seguras. “Mesmo com o diesel russo sendo mais barato em muitos momentos, há receio de possíveis sanções ou restrições, o que leva os importadores a preferirem fornecedores que ofereçam maior estabilidade”, afirma.

Para o especialista, o novo cenário amplia a exposição do Brasil aos riscos geopolíticos, deixando o país mais vulnerável a decisões externas. “A mudança recente não cria o risco, mas escancara uma realidade que já existe e que muitos ainda subestimam: o mercado de combustíveis está cada vez mais ligado ao jogo político global”, analisa. Ele cita como exemplo o caso da Índia, que foi alvo de sanções dos Estados Unidos por importar combustível com origem russa. “Esse episódio serve de alerta para o Brasil, que pode, sim, enfrentar algum tipo de retaliação futura caso os EUA entendam que nossas escolhas comerciais vão contra os interesses estratégicos deles”, adverte.

Vitor Sabag, Especialista em Combustível do Gasola

Segundo Sabag, a dependência do Brasil da importação de diesel para atender sua demanda interna torna o país particularmente sensível a qualquer ruído internacional. “O que antes era visto como uma decisão puramente comercial, escolher o fornecedor com melhor preço, agora também carrega um peso político. A escolha de com quem comprar diesel passou a ser interpretada como um possível sinal de alinhamento geopolítico”, afirma.

A nova dinâmica de fornecedores também pode impactar a política de preços. “A defasagem entre o preço interno e o mercado internacional não depende da origem do diesel, e sim de fatores como o dólar e o preço do barril. No entanto, a mudança na dinâmica pode trazer instabilidade e afetar a estratégia de precificação”, diz o especialista. Para ele, a Petrobras deve enfrentar maior pressão para segurar preços e evitar repasses, o que tende a ampliar a defasagem, enquanto importadores privados podem reduzir o ritmo de compras diante da volatilidade, afetando a concorrência e até o abastecimento.

Em relação às perspectivas para 2025, Sabag avalia que o cenário é de incerteza. “Fazer qualquer previsão é extremamente difícil, porque estamos falando de um produto que depende de variáveis imprevisíveis, como o preço do barril de petróleo e a cotação do dólar”, pondera. Ele lembra ainda que a política de preços da Petrobras tem variado, tornando as previsões mais complexas. “Em um cenário de tensões comerciais e políticas, decisões tomadas fora do Brasil, como uma eventual mudança de postura dos Estados Unidos sob a presidência de Donald Trump, podem afetar diretamente o preço final nas bombas. Basta um gesto inesperado, como a imposição de tarifas, para alterar completamente o rumo do mercado por aqui”, destaca.

Sabag reforça que as oscilações no preço do diesel repercutem em toda a economia. “O diesel é o principal combustível do transporte rodoviário, que movimenta a maior parte da produção nacional. Quando o preço sobe, o custo das transportadoras aumenta, e esse custo é repassado até chegar ao consumidor. O impacto aparece no preço dos alimentos, roupas e até serviços básicos”, explica.

Para reduzir a dependência externa e mitigar riscos, o especialista defende o fortalecimento da capacidade de refino nacional. “A única forma real de o Brasil reduzir sua dependência seria aumentando a capacidade de refino. Isso pode acontecer com a modernização das refinarias existentes, principalmente da Petrobras, mas o ideal seria também atrair novos investimentos”, aponta. Ele reconhece, contudo, que o caminho é longo e exige segurança jurídica e grandes aportes. “Ainda assim, esse é o caminho fundamental para diminuir a exposição às oscilações do mercado internacional e trazer mais estabilidade para o setor, beneficiando toda a cadeia de abastecimento e o consumidor final”, conclui.

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